segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Reflexões de domingo - Elisa Oliveira

Tenho pensado muito por onde andam nossos filhos e mais, por onde andamos? Já repeti muitas vezes minha tardia percepção que, enquanto eu dormia, a vida de alguém se esvaía e eu, dormia e sonhava, como se nada tivesse a ver comigo.
Tenho pensado que a vida dos outros e a nossa vida se esvai não apenas na saída das festas ou no assalto na esquina de casa, mas se perde vida na indiferença social, no estupor da insensibilidade à fome, na insalubridade do sistema, na injustiça, na miséria, na nossa cidade, no país, em todos os cantos e a toda hora... Perdemos vida faz muito tempo.
Hoje, assistindo à TV Senado, me emocionei. Como? Ao trocar de canal vi dois olhos em uma cena. Era uma sessão do Senado onde se fazia a homenagem a um garoto que havia ganho as olimpíadas de matemática nacional. Em uma larga mesa, sentado ao lado do Presidente do Senado e outros ilustres senadores e de frente para o plenário lotado de senadores engravatados e bem vestidos, estava um rapaz com atrofia muscular. Apenas seus olhos brilhantes, suas orelhas e seu sorriso apareciam. Um par de olhos brilhantes se destacava por detrás da mesa. Ao lado dele, “pessoas normais”, eretas em suas cadeiras, apareciam “de corpo inteiro”. Aqueles bons e justos senhores inteiros homenageavam um par de olhos!
Pra encurtar a história, este menino, que nem sei ao certo se era um menino, cujos pais emocionados e muito simples também sentavam a seu lado, tinha uma atrofia muscular que o impedira de ir à escola, tendo sido ensinado pela mãe. Dedicou-se ao estudo em casa e passou a participar de olimpíadas de matemática (acho que é isto), sendo levado pelo pai em um carrinho de mão. Nesse momento, depois de seu feito estava sendo homenageado.
Mas o que mais me emocionou, na realidade, foi a resposta que este menino deu ao Presidente da Casa quando este lhe perguntou, em tom sério (embora me parecesse estar tentando fazer uma brincadeira) algo como: “o que tu gostarias de ganhar agora? Aqui no Senado estão muitas pessoas querendo lhe ajudar, com certeza. Eu até tenho medo desta pergunta porque, sendo tu tão inteligente, vá que peças algo que não podemos dar...”
O rapaz respondeu algo assim: “Eu não costumo pedir nada... nem gosto de pedir. Se os senhores quiserem me ajudar, a ajuda que derem será bem vinda”
Em resumo, eu ouvi assim: ”senhores, se quiserem ajudar, não esperem que eu peça. Não esperem que eu mendigue, que eu morra ou faça um feito de destaque pra lhes mostrar que vocês são bons, que o mundo é bom ou que há esperança. Não esperem que algo bata à porta de suas casas e lhes tire de seus sonos. Não espere que o sonho se transforme em pesadelo”
Bem, pessoas, esta tem sido a minha reflexão desde que o pesadelo chegou tão pertinho de mim. Ele passava rondando há muito tempo, mas eu achava que era culpa ou responsabilidade de alguém. Quantas ONGS que lutam pelas mudanças, quantos grupos e movimentos com causas importante estão espalhados por aí. Tem gente que chega, até demais!
Estou ainda sentada, engravatada e cheia de boas intenções, mas inerte. Achar que é culpa ou problema dos outros, que já tem gente cuidando do assunto tem sido muito mais fácil do que pensar em fazer algo e descobrir o caminho. É tão mais simples doar um agasalho, participar de uma rifa beneficente, comprar o mel da associação que nem sei o nome ou me engajar por um espaço de tempo em um trabalho voluntário, enquanto o medo e a culpa me assolam.
Tenho pensado em mim, em nós – em gente como a gente – parecemos estar ao mesmo tempo que assustados e indignados, imobilizados e engessados em nossos lugares confortáveis. Nós somos gente boa, não tenho dúvidas disso. Mas, como disse o garoto do senado, se quisermos ajudar, devemos nos mexer. Será que precisamos de grandes feitos da Vida ou da Morte pra prestarmos atenção ao outro?
Assim sendo, penso e repenso, no que fazer? Crio sonhos de um mundo de paz e os derrubo na primeira dificuldade. Como fazer? Vamos lutar pela segurança? Pela extinção da fome? Contra a miséria? Pela educação? Pela saúde? Pelos garotos das olimpíadas?
Nossa, não vamos dar conta!!!!!! Não temos tempo!!!!Temos tanta coisa pra fazer... Cuidar de nossos filhos pra que voltem pra casa vivos. Cuidar da casa, do trabalho, de sermos mães, mulheres, amigas... De sermos felizes!!!! Acho melhor desistirmos... Agora vem o Natal, férias, ninguém vai ligar pra isto nas férias... Deixa pra março, é melhor, tem razão. Tem tanta gente cuidando disso. E também o governo não faz nada mesmo! Aquele monte de gente engravatada só pensando no dinheiro... Acho que vou dormir... Deu-me sono... Acordem-me se precisarem, mas antes, vou ler um poema, quem sabe me ajude a encontrar um caminho...

Por quem os sinos dobram – John Donne

“Nenhum homem é uma ilha, sozinho em si mesmo; cada homem é parte do continente, parte do todo; se um seixo for levado pelo mar, a Europa fica menor, como se fosse um promontório, assim como se fosse uma parte de seus amigos ou mesmo sua; a morte de qualquer homem me diminui, porque eu sou parte da humanidade; e por isso, nunca procure saber por quem os sinos dobram, eles dobram por ti”.

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